terça-feira, 9 de novembro de 2010

Parecer: "“É ADMISSÍVEL O CONHECIMENTO, PELO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE, DO RECURSO EQUIVOCADAMENTE INTERPOSTO FORA DO PRAZO DO RECURSO CORRETO?” (2)

Espaço dedicado aos melhores pareceres feitos pelos acadêmicos.

Acadêmica: Laura Safanelli Leitzke (FURB)

QUESTÃO: “Pode o tribunal conhecer um recurso, pelo princípio da fungibilidade, interposto fora do prazo do recurso correto?
 

Inicialmente, para definir se é possível que um tribunal conheça um recurso pelo princípio da fungibilidade, mesmo tendo sido interposto fora do prazo do recurso correto, é de suma importância analisar os requisitos e os outros princípios que norteiam o instituto dos recursos neste caso.

O recurso, para ser conhecido, além de estar de acordo com alguns princípios, deverá, necessariamente, preencher requisitos: os requisitos de admissibilidade recursal.

Um dos requisitos é o cabimento, que está diretamente ligado com o princípio da fungibilidade e da adequação. O recurso será cabível quando adequado e previsto em lei.

O princípio da adequação preceitua que “há um recurso próprio para cada espécie de decisão. Diz-se, por isso, que o recurso é cabível, próprio ou adequado quando corresponda à previsão legal para a espécie de decisão impugnada.”

Entretanto, o princípio da fungibilidade surge para, junto com o princípio da instrumentalidade das formas, possibilitar a conversão de um recurso em outro, no caso de equívoco da parte, desde que não haja erro grosseiro ou não tenha havido preclusão do prazo recursal.

Outro requisito para que o recurso seja conhecido é a tempestividade. Conforme leciona Fredie Didier Junior , “o recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. (...) O prazo para a interposição de recurso é peremptório, insuscetível, por isso, de dilação convencional.”

Assim, por exemplo, se a parte interpuser agravo de instrumento, contra decisão proferida em primeira instância, fora do prazo de 10 dias estipulado em lei (art. 522, CPC), este recurso, provavelmente, não será conhecido.

Feita esta análise, passa-se a examinar a possibilidade da utilização do princípio da fungibilidade pelo tribunal para conhecer recurso interposto fora do prazo do recurso correto.

Há divergência entre os doutrinadores quanto à aplicação do princípio da fungibilidade.

 
DOUTRINA

 
É clara a lição de Luiz Rodrigues Wambier :

“Outra exigência que carece de sentido é a de que o recurso interposto, se tiver um prazo eventualmente maior do que aquele outro que poderia ter sido interposto, seja interposto no prazo do menor. Essa exigência é inadmissível, por duas ordens de razões: a) Não se proporcionaria à parte a garantia constitucional do due process of low, abreviando-se o prazo do recurso; b) Não se estaria aplicando realmente o princípio da fungibilidade recursal, pois, se havia dúvida, e se a parte optou por um dos recursos, a opção deveria ter sido feita integralmente.”
 
Dos ensinamentos de Fredie Didier Junior , porém, extraem-se dois trechos que causam embaraço quando o assunto é aplicação deste princípio. Vejamos:

“Princípio da fungibilidade dos recursos é aquele pelo qual se permite a conversão de um recurso em outro, no caso de equívoco da parte, desde que não houvesse erro grosseiro ou não tenha precluído o prazo para a interposição.”
 
Neste trecho do livro, entende-se que se o prazo para o recurso cabível era de 10 dias, por exemplo, passado o lapso temporal e tendo a parte não praticado o ato, haverá preclusão. Logo, não será mais possível a aplicação do princípio da fungibilidade, mesmo que o prazo do recurso interposto, depois da preclusão do prazo do recurso correto, seja maior.

No entanto, o mesmo autor, em outro trecho do livro , diverge sobre a matéria:

“Observância do prazo: o recurso interposto há que respeitar o prazo daquele que deveria ter sido – não se reputa correta a exigência desse pressuposto, pois as situações de dúvida podem envolver recursos com prazos diferentes (agravo de instrumento e apelação, por exemplo), quando, então, o respeito ao prazo seria imposição que esvaziaria a utilidade do princípio.”
 
O doutrinador José Cretella Neto menciona a questão da divergência que há sobre o tema:

“A jurisdição também frequentemente se divide: por exemplo, como existe dúvida objetiva sobre qual o recurso apropriado contra indeferimento de liminar de ação declaratória incidental (agravo ou apelação) encontram-se acórdãos tanto no sentido da admissão do princípio da fungibilidade dos recursos, trocando-se um recurso por outro, inclusive relativamente ao prazo, quanto acórdãos contrários, no sentido de que deve ser interposto o recursos no prazo “menor”.”
 
Já Humberto Theodoro Junior , não trata especificamente sobre a aplicação do princípio quando interposto recurso fora do prazo do recurso correto. O autor apenas esclarece que, para a aplicação, deve haver dúvida objetiva, posto que se não houver prevalecerá o princípio da adequação:

“O erro grosseiro, que impede a fungibilidade, é o que atrita com a literalidade da lei. O erro capaz de justificar a acolhida de um recurso por outro é o que decorre de uma dúvida objetiva, ou seja, a que provém de imprecisão dos termos da própria lei ou de controvérsia travada na doutrina ou jurisprudência acerca do recurso correspondente a determinado ato judicial. Fora daí, o erro é imperdoável e o princípio da adequação do recurso deve prevalecer em toda linha.”

Vicente Greco Filho , contrariando as doutrinas apresentadas, visualiza a aplicação do princípio da fungibilidade da seguinte maneira:

“Há má fé quando se interpõe um recurso de maior prazo e o recurso cabível é de menor prazo e, por tanto, se conhecido, haveria um benefício adicional para o recorrente. Assim, para que se aplique a fungibilidade e o tribunal possa receber um recurso por outro, deve haver duvida quanto ao recurso adequado e ser utilizado sempre o prazo mais curto entre os recursos possíveis.”
 
No mesmo norte, Theotônio Negrão leciona que:

“A adoção do princípio da fungibilidade exige estejam presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá quando se interpõe recurso errado quando o correto encontre-se expressamente indicado na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que e pretende transformá-lo.”
 
JUSISPRUDÊNCIA

A doutrina parece estar bem distante de ter um entendimento pacificado. Na jurisprudência, entretanto, a divergência sobre a matéria é consideravelmente menor. Os tribunais têm entendido que o princípio da fungibilidade não deve ser aplicado no caso em estudo. Colhe-se do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
 
AGRAVO DO ART. 557, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DO CPC - DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO CONTRA DESPACHO QUE DETERMINOU LIMINARMENTE A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - PROTOCOLIZAÇÃO DE RECURSO INADEQUADO - ERRO GROSSEIRO - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE - RECLAMO INTERPOSTO FORA DO PRAZO LEGAL - INTEMPESTIVIDADE - NÃO CONHECIMENTO.

O recurso, para ser admissível, deve ser interposto dentro de prazo fixado na lei. Não sendo exercido o poder de recorrer dentro daquele prazo, se opera a preclusão e, via de conseqüência, formar-se-á a coisa julgada. Trata-se no caso de preclusão temporal (Nelson Nery Júnior, Princípios Fundamentais - Teoria Geral dos Recursos, RT, 1990, pág. 73).¿(AI n. 6.897, de Criciúma, rel. Des. Alcides Aguiar)

Além do que, não há como aplicar o princípio da fungibilidade ao recurso interposto, já que aludido princípio, consoante a doutrina, submete-se a requisitos específicos, sendo aplicável, apenas, quando existe dúvida objetiva sobre qual o recurso cabível contra determinado pronunciamento judicial.

Portanto, há erro grosseiro, quando a lei expressamente determinar qual a forma de impugnação da decisão e o recorrente, nada obstante, não observa o comando da lei.

FONTE: TJSC, Agravo de instrumento n. 02.011567-9, Câmara Civil Especial, Relator: Des. Dionízio Jenczak, julgado em 15/08/2002

 
PROCESSUAL CIVIL - DECISÃO JUDICIAL QUE INDEFERE PEDIDO DE ASSISTÊNCIA - APELAÇÃO - RECURSO INADEQUADO - FUNGIBILIDADE RECURSAL - INADMISSIBILIDADE

1. A decisão que defere ou não o pedido de assistência é interlocutória, dando ensejo ao recurso de agravo (CPC, art. 162, § 2º, c/c art. 522).

2. A aplicação do princípio da fungibilidade subordina-se à não-configuração de erro grosseiro, à interposição do recurso no prazo estabelecido para o remédio processual que seria o adequado e à compatibilidade dos procedimentos recursais.

FONTE: TJSC, Apelação Cível n. 2002.011838-4, Sexta Câmara Civil, Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros, julgado em 09/12/2002

 
E no Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - ATAQUE A ACÓRDÃO DO PLENÁRIO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROPRIEDADE.

As decisões da Presidência da Corte desafiam agravo regimental, e não agravo de instrumento, mesmo porque não há necessidade de formarem-se autos. Por sua vez, o artigo 544 do Código de Processo Civil versa sobre o agravo contra decisão do juízo primeiro de admissibilidade do extraordinário, não alcançando situação concreta em que, no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, negou-se seqüência a recurso extraordinário ante flagrante impropriedade. O erro não é escusável, ficando afastado, assim, o princípio da fungibilidade, previsto implicitamente no artigo 250 do Código de Processo Civil e, de modo expresso, no artigo 579 do Código de Processo Penal - preceito que poderia ser evocado como reforço de argumento quanto à persistência do princípio. De qualquer forma, tem-se que, à época da protocolização do agravo, o prazo alusivo ao regimental já se encontrava expirado.
 
FONTE: STF, AR 1422 agr-ed/DF, Ministro Marco Aurélio, julgado em 01/05/2002

 
CONCLUSÃO

É clara a divergência que há sobre a matéria.

Analisando princípios, doutrina e jurisprudência, nota-se que há duas principais correntes para a solução do caso. A primeira, fundamentando-se na garantia constitucional do due process of low, entende que o princípio da fungibilidade deve ser aplicado, mesmo quando o recurso for interposto fora do prazo do recurso correto.

Defende, ainda, que, se exigido o prazo do recurso correto quando interposto outro equivocadamente, não se estaria aplicando realmente o princípio da fungibilidade recursal, pois, se havia dúvida, e se a parte optou por um dos recursos, a opção deveria ter sido feita integralmente. Para os autores adeptos dessa corrente, o respeito ao prazo seria imposição que esvaziaria a utilidade do princípio.

A segunda corrente, entretanto, que parece ser a mais coerente, não é adepta da aplicação deste princípio nestes casos. As razões são simples e convincentes. Para um recurso ser conhecido, deve ser feito o juízo de admissibilidade que, dentre outros requisitos, exige a tempestividade e o cabimento do recurso.

Ora, se o prazo recursal deve ser respeitado quanto interposto o recurso correto, não faria sentido conhecer um recurso interposto equivocadamente e, ainda, fora do prazo do recurso adequado.

Desta forma, não seria de bom senso se uma das partes ao recorrer através do recurso correto no 11º dia, considerando que o prazo recursal seria de 10 dias, não tivesse seu recurso conhecido por ser intempestivo e a parte contrária interpusesse recurso que não fosse o correto, no 14º dia, e tivesse seu recurso conhecido, pelo princípio da fungibilidade.

Outro ponto relevante, defendido por esta segunda corrente, é de que o princípio da fungibilidade não deve ser utilizado como regra, mas, sim, como exceção. Humberto Theodoro Junior, conforme já mencionado, esclarece que a fungibilidade recursal será aplicada somente nos casos em que há imprecisão dos termos da própria lei ou quando há controvérsia travada na doutrina ou jurisprudência acerca do recurso correspondente a determinado ato judicial. Ou seja, o princípio deve ser aplicado nos casos excepcionais.

Ainda como argumento, a doutrina adepta deste entendimento institui que as partes não podem se utilizar deste princípio para reverter os efeitos da preclusão, o que caracterizaria a má-fé. Não se pode beneficiar o recorrente que perdeu o prazo recursal, através do princípio da fungibilidade. Se o prazo transcorreu e não foi interposto recurso, precluiu o direito de recorrer.

Por fim, tem-se a jurisprudência, que vem se assentando também neste sentido. Tanto os tribunais estaduais quanto o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal entendem, na maioria das vezes, descabida a aplicabilidade do princípio da fungibilidade quando interposto recurso equivocadamente e fora do prazo do recurso correto.

Destarte, conforme o exposto, conclui-se que, diante das duas correntes existentes sobre a matéria analisada, o entendimento no sentido de que o tribunal não pode conhecer um recurso, pelo princípio da fungibilidade, interposto fora do prazo do recurso correto, é o mais adequado.

 
É o parecer.

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