terça-feira, 9 de novembro de 2010

Parecer: "EM QUE HIPÓTESES SE ADMITE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM EFEITOS INFRINGENTES"

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Acadêmico: @rodrigonazaro (http://twitter.com/rodrigonazaro)

Discorreremos sobre os embargos de declaração, enfocando especialmente os efeitos infringentes que este pode ter. Seria este efeito cabível? Em que hipóteses?

Os embargos de declaração estão normatizados pela lei nos artigos 535 a 538 do Código de Processo Civil.

Trata-se de recurso por estar inserto no rol taxativo do artigo 496 do CPC, no inciso IV. Recurso é “o poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando a obter a sua reforma ou modificação”.

Presta-se o recurso em tela a dirimir obscuridade, contradição ou omissão de uma decisão. Apesar da redação infeliz do inciso primeiro do artigo 535, qualquer decisão pode ser objeto de embargos de declaração, inclusive as sem caráter decisório. Em decorrência do princípio do devido processo legal e do contraditório, toda decisão deve ser clara e objetiva, devendo as partes provocar o órgão judicial para que deixe transparentes e inteligíveis seus atos processuais.

É por isso que se atribui aos embargos de declaração o efeito, além do devolutivo presente em qualquer recurso, suspensivo. Efeito devolutivo é o efeito por excelência do recurso: o reexame da questão pelo mesmo Juízo ou Tribunal que proferiu a decisão recorrida. Já o efeito suspensivo impede a imediata execução da decisão embargada. Tal fato é conseqüência da decisão não ser ainda firme e surgir à necessidade de parar a marcha processual até que o Judiciário manifeste-se sobre o recurso.

Além disso, interrompe-se o prazo para outros recursos após o julgamento dos embargos.

Não se prestam os embargos para reformar ou invalidar decisão judicial. Tais objetivos são dados a outros recursos. Os embargos visam “corrigir” o decisório para que, ato contínuo, a parte interponha o recurso cabível.

Há, porém, casos em que a clarificação da obscuridade, o saneamento da contradição ou o suprimento da omissão acabem por modificar substancialmente o julgado, o que não é o objetivo do recurso estudado. Pode ocorrer, por exemplo, que, de dois pontos contraditórios, o juiz crie um terceiro que os sane ou o suprimento de omissão acabe por modificar, por necessidade lógica, grande parte do decisório.

A este fenômeno, a doutrina chama embargos com efeitos infringentes. São os embargos que indiretamente, modificam a (infringem na) decisão embargada.

É claro que os embargos com efeitos infringentes surgem em ocasiões excepcionais. Nesta esteira, preleciona o STF que “os embargos de declaração não constituem meio processual cabível para reforma do julgado, não sendo possível atribuir-lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais” (RE-AgR-ED 198131/SP, 2006, p. 35).

Cabe dizer ainda que, normalmente, os embargos de declaração não ensejam contraditório, ou seja, não há necessidade de manifestação da parte contrária, já que não alteram a decisão no mérito. Porém, quando presentes os efeitos infringentes dos embargos, teria a parte embargada direito à manifestação?

Para Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, Forense, 14ª edição, 1995, página 587, leciona: "Havendo, porém, casos em que o suprimento de lacuna ou a eliminação de contradição leve à anulação do julgamento anterior para nova decisão da causa (caráter infringente inevitável...) não deverá o órgão julgador enfrentar a questão nova para proferir, de plano, o re-julgamento. Para manter-se o princípio do contraditório, o caso será anular-se apenas a decisão embargada e ordenar que o novo julgamento seja retomado com a plena participação da outra parte, segundo as regras aplicáveis ao recurso principal”. De modo que, para o nobre autor, não há que se falar em contraditório nos próprios embargos, devendo ser refeita a decisão com renovação da manifestação das partes.

De modo diverso, os Tribunais têm entendido que é cabível abrir-se incidente processual nos próprios embargos, dando possibilidade ao embargado de manifestar-se.

Alinhando-se a este pensamento, diz o STF: “Temos admitido que os embargos declaratórios, embora, em princípio, não tenham efeito modificativo, podem, contudo, em caso de erro material ou em circunstâncias excepcionais, ser acolhidos para alterar o resultado anteriormente proclamado" (RE 59.040).

Do mesmo modo o STJ pronuncia-se: “EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PETIÇÃO ORIGINAL. RETENÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. ERRO DE PROCESSAMENTO DA SECRETARIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO MODIFICATIVO. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITO MODIFICATIVO PARA ANULAR A PENA DE NÃO CONHECIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO E DETERMINAR SUA INCLUSÃO EM PAUTA PARA JULGAMENTO.” EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.597 - MG (2006⁄0194632-1).

Aberto, portanto, o incidente, caberia a parte embargada manifestar-se no prazo idêntico ao recursal. Prazo este de cinco dias (artigo 536 do CPC).

Serão cabíveis, então, os embargos de declaração com efeitos infringentes em casos excepcionais, em que a correção da sentença acarrete verdadeira nova sentença ou acórdão.

Parece-nos que, em respeito à economia processual, ao princípio constitucional da celeridade e outros princípios processuais, a melhor praxe é a adotada pelos Tribunais. Oportuniza-se à parte recorrida sua manifestação e, nos próprios embargos, decide-se. Evita-se o tumulto e é mantido o progresso da marcha processual, sem ocasionar violação ao princípio do devido processo legal.

Cabe ao julgador acolher ou não o recurso e atribuir-lhe ou não efeitos infringentes justificando cada caso.

Ademais, o processo é meio e não fim. Pode a prática forense utilizar-se de meios para solucionar problemas que fugiram do legislador, desde que não prejudique o interesse público e os direitos individuais.

Ante o exposto, concluímos que são possíveis os embargos de declaração com efeitos infringentes em casos excepcionais que justifiquem seu uso.

É o parecer.

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